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Sporting e Benfica cresceram juntos e se atingiram a dimensão que atingiram, isso deve-se em muito à rivalidade entre ambos, que os fez progredir na ânsia de se ultrapassarem um ao outro, mas apesar desse longo caminho em comum, as diferenças sempre foram muitas.

Não é nossa intenção e muito menos a nossa missão, contar a história do Benfica, mas para que se perceba um pouco melhor esta caminhada feita lado a lado pelos dois grandes rivais de Lisboa, convém referir que o Sport Lisboa e Benfica é fruto de uma fusão realizada em 1908, entre o Grupo Sport Benfica, fundado em 1906, e o Sport Lisboa, fundado em 1904.

O Sport Lisboa era um clube de Belém, também ele resultante da fusão de grupos que jogavam Futebol nos primórdios da introdução desta modalidade em Portugal e dele o Sport Lisboa e Benfica herdou as camisolas vermelhas, um conjunto de bons jogadores e acima de tudo a popularidade, que era resultante das vitórias daquele clube, principalmente aquela de Abril de 1907, que foi a primeira derrota sofrida pelo Carcavelos Club, que era um agrupamento criado por ingleses ainda no século XIX e que até aí fora invencível e, como o imaginário do povo naturalmente se alimenta de vitórias, o Sport Lisboa rapidamente conquistou um lugar no coração dos lisboetas.

Já o Sporting Clube de Portugal que nasceu em berço de ouro, fruto de um capricho de um menino rico que um dia resolveu ir pedir dinheiro ao seu avozinho para fundar um Clube que sonhava que fosse tão grande como os melhores da Europa, não era propriamente muito popular, antes pelo contrário, era quase sempre hostilizado pelo público jogasse onde jogasse, graças ao estigma de ser o Clube dos ricos.

Assim o caminho do Sporting para as vitórias foi sempre muito dificultado e o sucesso desportivo do Clube só foi conseguido graças à superior qualidade das pessoas que o serviram, alguns deles verdadeiros visionários que andavam uns anos à frente da gente do seu tempo e que ao fim de 40 anos de vida e de muito trabalho, conseguiram fazer do Sporting Clube de Portugal a maior força desportiva do País.

O reconhecimento público desse trabalho gigantesco em prol do desporto nacional, também foi um processo lento e às vezes doloroso, num Clube que nunca gozou das simpatias da imprensa, de tal forma que ao folhearmos os jornais antigos, é fácil perceber que as vitórias do Sporting tinham quase sempre um se, enquanto as do Benfica eram festejadas com grandes parangonas.

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Boletim do Sporting Nº1

Foi assim que em 1922 José Serrano e Mendes Leal defenderam a necessidade de se criar um jornal do Clube, ideia que Júlio de Araújo achou que poderia ser mais vantajosa na forma de um boletim de circulação interna, destinado a facilitar o trabalho directivo, a desenvolver e a consolidar o espírito clubista e a defender os interesses do Sporting. Nasceu assim o Boletim do Sporting, mais tarde transformado em jornal, hoje o mais antigo periódico publicado por um clube desportivo.

Com as suas vitórias cada vez mais regulares e a visão expansionista de Júlio de Araújo, o Sporting impôs-se definitivamente como um Clube de implantação nacional, mesmo que continuasse a ter uma matriz elitista, em oposição ao popular Benfica, que sempre gozou dos favores da imprensa, mas o sucesso crescente do Sporting, obrigou a que fosse olhado com maior atenção e mais respeito.

Em 1945 foi fundado o jornal A Bola por três homens com fortes ligações ao Benfica, principalmente Ribeiro dos Reis que foi jogador, treinador, dirigente e presidente da assembleia geral do Sport Lisboa e Benfica, para além de ser um anti sportinguista primário. Este jornal depressa se transformou numa referência na imprensa portuguesa, adoptando o epíteto de “a bíblia do futebol português”, mas nunca conseguiu libertar-se da imagem de ser um instrumento de propaganda do Benfica.

Essa propaganda impôs a sua ditadura num tempo em que os meios de comunicação não eram muitos e foi graças a ela que às vezes se reescreveu a história do futebol português, de acordo com os interesses de uns, em detrimento dos de outros.

Tivesse sido Peyroteo jogador do Benfica e imagine-se o que se teria escrito e dito sobre os feitos ímpares deste enorme futebolista, que foram praticamente esquecidos, para não dizer apagados, em prol do engrandecimentos de outros ídolos que apareceram mais tarde e que foram elevados aos píncaros.

Um dos episódios mais emblemáticos do que acabámos de referir é a contabilização dos títulos de Campeão Nacional de Futebol, que é feita pela generalidade dos órgãos de comunicação social em resultado de uma manobra bem sucedida no sentido de apagar uma competição que marcou uma era do futebol português, valorizando outra que se disputou em fase experimental, só porque o Benfica foi o clube mais bem sucedido nesta, ao contrário do que tinha acontecido naquela.

A verdade é que foi na temporada de 1921/22 que se disputou a primeira prova de âmbito nacional organizada pela FPF, os denominados Campeonatos de Portugal que se jogariam até 1937/38 no sistema de eliminatórias.

A primeira edição da prova cingiu-se a Porto e Lisboa e o Sporting esteve presente nesse momento histórico do futebol português, mas foi derrotado pelo FC Porto. Daí para a frente a participação abriu-se aos Campeões dos outros Distritos do País e a partir da temporada 1926/27 as Associações principais passaram a ter mais do que um representante.

O Sporting lidera o ranking final dos Campeonatos de Portugal com 14 presenças, 10 finais, 4 títulos, 73 jogos, 49 vitórias, 7 empates, 17 derrotas, 249 golos marcados e 105 sofridos, números reveladores de que o Clube nessa altura já tinha consolidado definitivamente um lugar entre os melhores de Portugal.

Em 1934 iniciaram-se os Campeonatos da Liga, uma competição disputada no sistema de todos contra todos a duas voltas, com a presença de 8 clubes, que se realizou a título experimental durante quatro temporadas, mantendo-se os Campeonatos de Portugal como a prova principal.

Finalmente na temporada 1938/39 avançou-se para os Campeonatos Nacionais tal como se disputam hoje e, simultaneamente criou-se uma nova competição no sistema de eliminatórias. Nascia assim a Taça de Portugal, enquanto os Campeonatos de Portugal passavam ao baú das memórias.

Um jogo que a contabilidade criativa não conseguiu mudar

Na década de 40 já o Sporting assumira a liderança do futebol português, conquistando a emblemática Taça O Século que lhe foi entregue por direito próprio, ao fim das primeiras 10 épocas realizadas segundo o novo figurino, o que desagradou a Ribeiro dos Reis, numa altura em que a imprensa com o jornal A Bola à cabeça, resolveu fazer uma contabilidade dos títulos nacionais de futebol, que fosse mais simpática para o Benfica, que tinha ganho 3 edições do Campeonato da Liga, que teve o FC Porto como o seu primeiro vencedor.

Assim nessa contabilidade criativa, os Campeonatos da Liga eram considerados como títulos nacionais em detrimento dos Campeonatos de Portugal, oficialmente reconhecidos pela FPF como a prova máxima do calendário nacional até 1938, com o argumento de que os primeiros tinham o mesmo formato dos Campeonatos Nacionais instituídos em 1938. Ou seja, seguindo este singular critério, se mais tarde o formato do Campeonato fosse alterado, poder-se-ia riscar do mapa tudo o que acontecera até aí, para adoptar como campeões os clubes que tivessem ganho eventuais competições disputadas segundo o novo formato.

De uma forma ou de outra a mensagem foi passando e com o decorrer do tempo a propaganda foi levando a água ao seu moinho, e tal como os feitos de Peyroteo foram praticamente esquecidos, os Campeonatos de Portugal também foram apagados das listas de Campeões do futebol português, para que se pudessem inscrever os tais 3 títulos do Benfica e principalmente retirar 4 ao Sporting, numa altura em que as contas já davam alguma vantagem aos Leões.

70 anos depois, em pleno século XXI, muita coisa mudou, mas outras continuam exactamente na mesma, como é o caso da máquina de propaganda, que continua a remar no mesmo sentido, embora agora na era da informação massiva, com episódios que atingem proporções nunca antes vistas.

To-mane (discussão) 20h35min de 21 de março de 2016 (GMT)