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O eterno derby

O Sporting Clube de Portugal nasceu em berço de ouro e dotado das melhores instalações desportivas da época, o que depressa atraiu alguns jogadores de outros clubes, principalmente do Sport Lisboa que nem tinha campo para jogar. São exemplo disso os jogadores Henrique Costa (que viria a ser co-fundador do Belenenses), Queirós dos Santos (que viria a ser Presidente do Sporting), Cruz Viegas (o responsável pela adopção do equipamento vermelho e branco por parte do Sport Lisboa) e António Couto (o primeiro Capitão do Sport Lisboa). Foi assim na época de 1907/08 que se deu o primeiro capítulo de uma rivalidade que perdura até aos nossos dias - O Primeiro Derby -, com o Sporting a ganhar por 2-1, apresentando no seu onze oito jogadores oriundos daquele clube. A debandada dos jogadores do Sport Lisboa para o clube de José Alvalade iniciou assim mais de um século de rivalidade, nem sempre “saudável”!

Na temporada de 1909/10 começaram as discordâncias com as instâncias do Futebol Português de então. Em mais uma época atribulada, o Sporting termina em 5º Lugar com apenas 2 vitórias e 2 empates, mas a equipa abandona a prova, não comparecendo na última jornada. A desistência surgiu como protesto pela actuação da Associação de Futebol de Lisboa (AFL), na sequência de factos ocorridos durante um jogo com o Benfica, neste caso a suspensão do guarda-redes Augusto de Freitas por suposta agressão a um adversário. Esta tomada de força não se ficou só por esta época. Na época seguinte, 1910/11, estava marcado para a última jornada mais um derby que, no entanto, já não teria qualquer implicação na classificação final. Talvez por isso o Sporting não compareceu, alegando que os seus adversários não era dignos de pisar as instalações leoninas.

Em 1918/19 a rivalidade entre Sporting e Benfica estava ao rubro depois de Alberto Rio se ter mudado para o Campo Grande. Alberto Rio notabilizou-se no Benfica, onde era considerado o melhor jogador. Em Fevereiro de 1918, e depois de uma primeira ameaça alguns meses antes, deixou de aparecer sem dar satisfações aos dirigentes encarnados, que lhe instauraram uma suspensão por 6 meses. À revelia do Benfica, Alberto Rio ingressou no Sporting, porém, parecia vigorar uma espécie de código que deveria impedir o aliciamento e recrutamento de jogadores entre os grandes clubes, sem que houvesse consulta ou até mesmo acordo prévio entre emblemas. Sucederam-se turbulências e afrontas dentro e entre os dois clubes, tendo Alberto Rio finalmente alinhado pelo Sporting a 7 de Julho de 1918.

Nessa mesma época, um surpreendente Vitória de Setúbal dominou a primeira volta derrotando Leões e Águias, mas na 2ª volta os sadinos baquearam e no fim Sporting e Benfica ficaram empatados no primeiro lugar. No entanto, o Benfica não se conformou com a anulação de um golo no jogo que perdera por 1 - 2 com o Vitória e apresentou protesto formal junto da AFL pretendendo a validação do golo, o que lhe daria mais um ponto e o título. A AFL indeferiu o protesto e procedeu ao agendamento dos dois jogos decisivos, sendo a primeira vez que a prova seria decidida nestes moldes.

Assim, a 14 de Julho de 1919, um mês menos um dia após a última jornada, teve lugar a primeira mão da Finalíssima. A tensão entre os jogadores era de tal ordem que chegava à violência, pelo que Luís Plácido de Sousa, o árbitro nomeado para o primeiro jogo, não compareceu e foi substituído em cima da hora por Carlos Pinto. O Sporting jogou com 10 jogadores desde o início. SIM! O Sporting só entrou em campo com 10 jogadores; porém, o jogo viria a acabar com 10 para cada lado, pois o jogador do Benfica Cândido de Oliveira, que viria a conhecer a glória como treinador dos Cinco Violinos, foi expulso. Contra todas as expectativas o Sporting venceu por 1-0, com golo de Alfredo Perdigão, o que ainda agravou mais o clima de tensão do jogo da segunda mão, disputado no dia 20 de Julho de 1919, no Campo Grande, e que ditou a vitória leonina por 1 - 2. O árbitro Luís Plácido de Sousa já aceitou dirigir a partida na qual, mais uma vez, se registaram episódios de violência. Houve distúrbios no campo e entre os espectadores, tendo o jornal Os Sports falado em invasões de campo, revólveres nas bancadas e num jogador do Sporting apedrejado após o jogo. Dentro do rectângulo de relva e ainda na primeira parte, foram expulsos Artur Augusto e Crespo, do lado do Benfica, e Joaquim Caetano, do lado do Sporting. Já na segunda parte, Jusa recebeu ordem de expulsão mas não a acatou, permanecendo em campo. Foi assim A Finalíssima de 1919, em tempo de grandes convulsões sociais.

Apesar da derrota em campo nos dois jogos, o Benfica não desarmou e continuou com os protestos. Segundo consta, foi por pouco que a AFL não voltou atrás e não lhe deu na secretaria o que não conquistara em campo. O Sporting fez saber que, se assim fosse decidido, daria o título ao rival mas então que não contassem com ele no campeonato de Lisboa – só jogaria contra clubes estrangeiros. A AFL decidiu, finalmente, rejeitar os protestos encarnados e atribuir em definitivo ao Sporting o merecido título de Campeão de Lisboa da época 1918/19, o segundo da história do Clube.

As atribulações com e entre as instâncias do Futebol Português continuavam a bom ritmo e, em 1930/31, fruto de uma guerra entre a Federação Portuguesa de Futebol e a AFL, esta associação determina o boicote dos seus clubes ao Campeonato de Portugal. Assim, o Sporting não participa na edição desta temporada que teria como vencedor o Benfica que, juntamente com o Casa Pia, desobedeceu às instruções da AFL, o que lhe valeria um castigo que entretanto seria suspenso, no meio de muita discussão que originou inclusivamente um corte de relações entre os dois principais clubes de Lisboa.

Em 1937 o Sporting arrenda o Stadium de Lisboa no Lumiar, mas continua a utilizar as instalações do Campo Grande que viria mais tarde a ceder ao Benfica por sugestão do Ministro Duarte Pacheco Pereira, quando aquele clube ficou sem campo. Posteriormente, essas instalações retornaram ao poder do Sporting na sequência de um acordo com a Câmara de Lisboa, e em parte dele assenta o actual Estádio.

Curiosa é a história de Álvaro Cardoso, cujo episódio caricato em nada deve ter contribuído para a melhoria das relações dos dois clubes. Álvaro Cardoso chegou à equipa principal do Vitória aos 18 anos entrado para o lugar de Joaquim Ferreira, outro jogador que se notabilizou no Sporting. Formava então com Silva a dupla de “beques” como se dizia na altura, quando o Benfica mandou um emissário a Setúbal para contratá-lo, mas o homem confundiu-se e acabou por levar o seu companheiro da defesa, permitindo assim que o Sporting se antecipasse e garantisse o concurso de Cardoso a troco de 5 contos, enquanto o jogador nada recebeu, afinal ia para o Clube da sua simpatia.

1947/48 será para sempre lembrada como a época d' O Campeonato do Pirulito. O “pirulito” era uma bebida gasosa cuja garrafa se fechava não com uma rolha ou uma carica, mas com um berlinde e, no final do campeonato, o mesmo seria decidido “por uma bolinha”, ou seja por um golo. O jogo que acabou por ser decisivo para a atribuição do título acabou por ser o Benfica – Sporting da 22ª jornada, disputado em 25 de Abril de 1948 no Campo Grande. O Sporting partia para esse jogo com menos dois pontos do que o seu rival e com a desvantagem acrescida de ter perdido 1 - 3 em casa na primeira volta. A pressão era tanta na semana que antecedeu o jogo que um dirigente do Sporting acusou o treinador Cândido de Oliveira de ser benfiquista e estar a preparar em segredo uma táctica suicida que levaria à derrota do Sporting. O Sporting acabaria por vencer por 4 - 1 e, no meio dos festejos, Cândido de Oliveira anunciou a sua demissão. Fora ofendido, ia-se embora. E teria mesmo saído do Sporting, não fora o dirigente difamador procurá-lo no seu local de trabalho e pedir-lhe, entre lágrimas, que reconsiderasse, oferecendo a própria demissão em troca. O técnico voltou atrás, com a condição de que o dirigente também ficasse. Diz-se que foi ele o autor da frase, relativa aos treinadores “somos bestiais quando ganhamos e bestas quando perdemos.

Mais um episódio de violência entre adeptos dos dois clubes rivais, provavelmente em 1959/60, relatado por Fernando Mendes ao Jornal do Sporting: “Houve um jogo em que fomos à Luz e eliminamos o Benfica para a Taça de Portugal. Entretanto quando abandonávamos o Estádio no nosso autocarro paramos num semáforo onde fomos apedrejados. Eu, o Carvalho e o Octávio de Sá saímos logo do autocarro perseguindo os autores desse ataque cobarde.

Os anos 60 ficariam marcados pela briga entre os dois grandes rivais de Lisboa por um jovem moçambicano que marcaria o Futebol Português dali para a frente. Chamava-se Eusébio, vinha do Sporting de Lourenço Marques, mas acabou no Benfica de Guttmann, que vivia o melhor período da sua história, apesar da resistência de um Sporting renovado. O Futebol Português vivia assim um novo ciclo e agora quem reinava era o Benfica, a atravessar o período áureo da sua história.

Em 1961/62, o Sporting sob o comando de Juca recuperou e chegou à última jornada empatado em pontos com o FC Porto, mas tinha o Benfica como adversário nesse derradeiro jogo que valia o campeonato, disputado no Estádio José Alvalade no dia 27 de Maio de 1962. N' Uma festa abrilhantada pelos Campeões Europeus, o Sporting venceu por 3 - 1, o público invadiu o campo e até os jogadores do Benfica foram passeados em ombros, sendo que Eusébio, Cavém e José Augusto foram à cabine leonina felicitar os novos Campeões Nacionais.

A 27 de Junho de 1971, como de costume no Estádio Nacional, disputou-se a Final da Taça de Portugal. Numa primeira parte demolidora do Sporting que chegou ao intervalo a ganhar por 3 - 0, ainda houve tempo na segunda parte para o Benfica reduzir para 3-1 por Eusébio, que na conversão de um penalti inexistente, mandou Vítor Damas para um lado e a bola para o outro. O relógio marcava 77 minutos quando Chico bisou e deu a estocada final no Benfica, que daí para a frente não pode mais do que assistir à festa dos Sportinguistas, embora por vezes revelando algum mau perder, como aconteceu com Simões que agrediu Manaca, sem que o árbitro Francisco Lobo tivesse visto. No final da partida o Presidente Brás Medeiros envolvido nos festejos que transformaram o Jamor num imenso mar verde e branco, afirmou com alguma ironia que o Sporting se tinha de contentar em ganhar algumas tacinhas, porque já se sabia que os próximos campeonatos seriam todos para o Benfica. Era A mais saborosa das Taças de Portugal - depois de três Finais perdidas com o seu velho rival, esta era a primeira vez que o Sporting ganhava ao Benfica no jogo decisivo da Taça de Portugal.

Mais um episódio revelador do clima que se vivia no Futebol Português, e ironizado por Brás Medeiros, foi o de Dinis. Em 1972 esteve presente na Mini Copa disputada no Brasil, onde fez todos os jogos realizados por Portugal, marcando 4 golos e deixando a marca do seu futebol com o perfume africano. Apesar disso não teve muitas mais oportunidades na equipa das quinas, já que nessa altura não era fácil entrar na Selecção quando não se jogava no Benfica.

A 14 de Dezembro de 1986 o Sporting esmagou o Benfica em Alvalade, com uma goleada história de 7–1, com 4 golos de Manuel Fernandes. Sete-a-um seria um resultado histórico em quaisquer circunstâncias, mas o facto de ter ocorrido durante os tenebrosos dezoito anos de jejum e num campeonato para esquecer ainda o tornou mais relevante e a sua memória mais poderosa. No decurso do período mais árido da história do clube aquela tarde tornou-se um símbolo da grandeza do Sporting. Durante anos os adeptos viveram da recordação dos sete-a-um, lembrando-o aos aos rivais nas escolas, nos empregos, nas ruas, sempre que o Sporting conhecia uma derrota humilhante, sempre que passava mais um ano sem títulos. De certa maneira, foi um resultado que ajudou muito a manter a esperança de que melhores dias viriam.

Na temporada de 1995/96 o Sporting chega à Final da Taça de Portugal como favorito, mas perde por 3 - 1. A essa derrota junta-se mais uma tragédia, um adepto morre em plena bancada do Jamor, assassinado por um very-light atirado pela claque do Benfica. Mesmo assim o jogo que na altura estava na 1ª parte prosseguiu, e no fim a festa faz-se nos mesmos tons do sangue que estava espalhado nas bancadas, naquela que foi uma das páginas mais negras do futebol português.

No dia 16 de Abril de 2008, Portugal preparava-se para assistir a mais um emocionante derby entre Sporting e Benfica, desta feita disputado no Complexo Alvalade XXI e a contar para as meias-finais da Taça de Portugal de 2007/08. As duas equipas tinham nesta partida a hipótese de se reconciliarem com os adeptos, após vários resultados menos bons nas últimas jornadas, algo que aguçou bastante este derby, dentro e fora das quatro linhas. Num jogo completamente impróprio para cardíacos, o Sporting deu 5-3 na Taça de Portugal, chegando à Final da competição e acabando por vencê-la.

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