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No início da terceira década do século XX o Sporting Clube de Portugal começou finalmente a impor-se como a maior força desportiva do País, numa altura em que a sua equipa de Futebol era reconhecida como a melhor de Portugal e ganhava títulos com regularidade, ao mesmo tempo que conseguia os melhores resultados nos confrontos com os clubes estrangeiros que nos visitavam. Para além disso, no Atletismo o Sporting também assumiu uma posição dominante, que nessa altura apenas era contestada pela réplica do CIF e já começava a obter alguns bons resultados noutras modalidades.

Em termos de instalações desportivas o Sporting sempre estivera na vanguarda e, apesar da degradação da Estância de Madeira, o Campo Grande continuava a ser a par do Stadium de Lisboa, o principal palco dos eventos desportivos que se realizavam em Portugal.

No entanto este crescimento do Clube não era acompanhado em termos de popularidade, pois o Sporting continuava a ser olhado como o grupo dos ricos. Na maior parte dos campos os Leões tinham de enfrentar a animosidade do público, principalmente da parte dos partidários do Benfica, o clube que tinha mais seguidores, fruto do domínio que exercera nos primeiros anos do futebol lisboeta e, que eram considerados como os mais facciosos e violentos de todos, exercendo uma forte intimidação sobre os árbitros, dos quais o Sporting tinha frequentes razões de queixa, o mesmo se podendo dizer em relação à imprensa desportiva, o que até originou o lançamento do Boletim do Sporting.

Foi nesta altura que se fez sentir no Sporting a influência de Júlio de Araújo, um dirigente com vistas largas, que percebeu a necessidade do Clube crescer não apenas em Lisboa, mas em todo o País, dando início ao movimento das Filiais e Delegações, alargando o número de sócios que passou dos 300 para os 3000 e apostando na contratação de um treinador para o Futebol, o que levou à construção de uma equipa vencedora, fator fundamental para a expansão do Clube.

O grande sonho de Júlio de Araújo era a construção de um Estádio ao nível das exigências de um grande Clube como o Sporting que ele idealizava e tudo fez para o concretizar. No entanto do outro lado Salazar Carreira, outro dirigente com enorme carisma, que liderava com brilhantismo a secção de Atletismo, defendia o aproveitamento ao máximo daquilo que existia e a angariação de fundos, antes do arranque efetivo de qualquer obra, uma posição que acabou por prevalecer por força das circunstâncias, o que levou ao afastamento de Júlio de Araújo, que se demitiu de Presidente e de sócio em 21 de Janeiro de 1925.

Salazar Carreira assumiu a Presidência em 19 de Fevereiro do mesmo ano, mas a cisão entre as duas correntes era uma realidade e o Clube começou a marcar passo, o que levou a que Carlos Basílio de Oliveira tomasse a iniciativa de juntar as duas fações, apelando à necessidade de união entre todos os sportinguistas. Assim no dia 23 de Fevereiro de 1926 foi empossada uma super Comissão Administrativa liderada pelo Presidente da Assembleia Geral, Pedro Sanches Navarro, e da qual faziam parte quase todos os "pesos pesados" do dirigismo leonino daquela época, nomeadamente três antigos Presidentes e outros tantos ex-vice-presidentes, englobando obviamente Júlio de Araújo e Salazar Carreira.

Nessa altura Júlio de Araújo avançou com o projeto arquitetónico do novo estádio e com as negociações com a Câmara de Lisboa e com os proprietários dos terrenos bem encaminhadas, só faltava o dinheiro. A solução preconizada passava por um empréstimo interno, que tinha como meta os 600 contos, ou seja uma média de 200 escudos por sócio. A ideia era que os sócios contribuíssem com títulos nominativos no valor de 100$, 500$ ou 1000$ cada um, dos quais seriam reembolsados logo que o Clube tivesse disponibilidade para o fazer, mas sem o vencimento de juros.

A subscrição iniciou-se no dia 7 de Junho de 1926, arrancando com 82.695$ do Fundo de Investimentos, aos quais se somaram rapidamente mais 41 contos, cerca de metade dos quais saíram dos bolsos dos membros da Comissão Administrativa. Em Agosto já tinham sido ultrapassados os 170 contos, mas por essa altura Júlio de Araújo adoeceu e, sem o seu grande motor o comboio começou a perder embalagem.

Apesar da aparente pacificação, a oposição continuava viva e em Dezembro de 1926 o Conselho Fiscal demitiu-se. Chegou a estar prevista uma Assembleia Geral para providenciar a substituição deste órgão, mas a Comissão Administrativa acabou também por se demitir, abrindo espaço para novas eleições também para a Direção, numa altura em que Júlio de Araújo era acusado de ter depositado em contas próprias dinheiro do empréstimo interno, uma imprudência que o próprio reconheceu como tal, embora garantindo que nunca o fizera com intenções de utilizar esse dinheiro em seu beneficio, pois todos sabiam que era ele o principal entusiasta do projeto do novo estádio.

Na altura tudo apontava para o aparecimento de uma lista liderada por Soares Júnior, que representava a fação que ficou conhecida como "esquerdas", mas José Serrano conseguiu mais uma vez formar uma lista de consenso, ainda liderada por Pedro Sanches Navarro, embora nessa Assembleia Geral extraordinária, tenha sido visível a oposição que foi protagonizada por Moura de Carvalho, que desferiu criticas contundentes à atuação da Comissão Administrativa, que segundo este sócio não tinha atingido nenhum dos objetivos do programa proposto, quer desportivamente, quer financeiramente e principalmente na questão das novas instalações desportivas, embora defendesse a necessidade da sua continuidade, apoiando a moção de confiança proposta por Borges de Castro, que no entanto acabou por ser retirada a pedido de Pedro Sanches Navarro.

Esta Assembleia Geral iniciou-se no dia 24 de Fevereiro, concluindo-se em 3 de Março de 1927, acabando por resultar na eleição de uma nova Direção, cujo objetivo era terminar aquilo que deveria ter sido a Gerência de 1926/27, no entanto esta Direção durou pouco mais de dois meses, pois demitiu-se após a equipa de Futebol do Sporting ter terminado em 4º lugar no Campeonato de Lisboa e ter sido eliminada pelo Vitória de Setúbal nos quartos de final do Campeonato de Portugal.

Assim no dia 10 de Maio de 1927 realizou-se mais uma Assembleia Geral extraordinária, onde Soares Júnior assumiu a Presidência do Sporting Clube de Portugal, liderando uma lista onde pontificavam os principais nomes da facção dos esquerdas, que concluiu a Gerência 1926/27, conseguindo através de muitas economias, sanar a grave situação financeira em que encontrou o Clube.

Nessa altura foram nomeados dois peritos para examinar as contas da gestão de Júlio de Araújo enquanto Tesoureiro da terceira Comissão Administrativa, trabalho que foi apresentado aos sócios numa Assembleia Geral extraordinária que terminou no dia 7 de Setembro de 1928, referindo-se então que apesar das contas não estarem organizadas segundo os métodos de contabilidade comercial, fora possível apurar cerca de 9 contos de despesas não justificadas.

Júlio de Araújo prontificou-se a assumir as suas responsabilidades enquanto Tesoureiro da terceira Comissão Administrativa e foi mais longe, afirmando que no seu entender a diferença nas contas chegava aos 12 contos, que justificaria por escrito se a Assembleia Geral o solicitasse da mesma forma, pois apesar de tudo ter feito para evitar que o nome do Clube fosse enxovalhado na praça pública, tinha o direito de defender a sua honra, doesse a quem doesse.

A assembleia foi então encerrada, ficando de remeter por escrito a Júlio de Araújo um pedido de esclarecimento sobre os factos atrás citados, numa altura em que tinham acabado de entrar em funções novos corpos gerentes.

To-mane 20h25min de 6 de Abril de 2015 (WEST)